Ocorrência da câimbra no mergulho: conceitos e considerações
São poucos os mergulhadores que nunca sentiram câimbras durante um mergulho autônomo. Para aqueles que já passaram ou continuam passando por esta desagradável experiência, a câimbra pode ser considerada como uma vilã, onde a sua incidência em ambiente aquático poderá colocar em risco a segurança do mergulhador, assim como, prejudicar todo o planejamento de mergulho previamente realizado.
É importante conhecermos o que é a câimbra, quais mecanismos fazem com que ela apareça e como podemos tentar evitá-la.
Câimbras são contrações musculares intensas de um músculo isolado ou de um conjunto deles, que acontecem de forma involuntária. Estas contrações involuntárias duram alguns segundos, em geral, após um esforço físico intenso, desaparecendo repentinamente podendo-se observar um possível enrijecimento do local (MAUGHAN; GLEESON e GREENHAFF, 2000). De acordo com os mesmos autores, os músculos mais acometidos pela câimbra são o gastrocnêmio (panturrilha ou popularmente conhecido como batata da perna), os isquiotibiais (posteriores da coxa) e os abdominais. É importante destacar que estes músculos anteriormente citados são muito exigidos durante a prática do mergulho.
Conforme estudos realizados por alguns pesquisadores, os mecanismos que levam ao aparecimento das câimbras sustentam-se por quatro teorias: teoria metabólica; teoria da desidratação; teoria eletrolítica e teoria ambiental.
Segundo Foss e Keteyian, 2000, a teoria metabólica sugere que a câimbra pode ocorrer quando o músculo “intoxica-se” por metabólitos provenientes da atividade contrátil, ou seja, através do acúmulo de amônia próximo às fibras musculares, como também, do ácido lático proveniente da metabolização incompleta dos carboidratos durante o exercício (glicólise anaeróbia), que, por sua vez, libera íons de hidrogênio no interior das células das fibras musculares, aumentando a acidez do meio e afetando a contratilidade das mesmas.
A teoria da desidratação baseia-se na representatividade da redução do volume de água corporal ocasionado pela transpiração excessiva durante o exercício físico, que, consequentemente, provocará desequilíbrio dos fluidos corporais interferindo negativamente no mecanismo contrátil das fibras musculares, gerando contrações súbitas e involuntárias (GUYTON, 1988).
Conforme o mesmo autor, a teoria eletrolítica fundamenta-se na importância da presença do sódio e do potássio no processo de contração muscular, onde as ausências destes elementos contribuem significativamente para a ocorrência da câimbra. A diferença de concentração de sódio e potássio nos meios intra e extracelulares determinam potenciais elétricos nas fibras nervosas e musculares. Deficiências destas substâncias poderão ocasionar distúrbios na formação destes potenciais elétricos, afetando diretamente o controle da contratilidade das fibras musculares, gerando câimbras.
A teoria ambiental aponta mudanças extremas de temperatura, externas ao organismo, como fatores que propiciam o surgimento das câimbras. Este fenômeno ocorre devido à ação das altas e baixas temperaturas, que representam forte influência no aparecimento de distúrbios musculares. Quanto maior for a temperatura do ambiente, o que ocasionará maior elevação da temperatura corporal através do exercício físico, mais intensamente se realizarão as reações químicas que geram a contração muscular, podendo desencadear contratilidade involuntária do músculo. Na ocorrência de temperaturas muito baixas, a exposição ao frio provocará respostas fisiológicas do organismo, como exemplo, a vasoconstrição periférica. Por conseguinte, ocorrerá um prejuízo de fluxo sanguíneo para os músculos em detrimento aos órgãos vitais, podendo ocorrer o surgimento de câimbras (FOSS e KETEYIAN, 2000).
Tentativas para amenizar ou até mesmo evitar a ocorrência da câimbra, se resumem em realizarmos uma hidratação adequada, estarmos bem condicionados fisicamente, principalmente em referência ao desenvolvimento de nossa flexibilidade através da realização de exercícios de alongamento, enfatizando sempre a importância da orientação por profissionais especializados.
Uma hidratação adequada ajudará o mergulhador a evitar a desidratação e consequentemente uma possível câimbra, ao realizar um mergulho prolongado e que promova um desgaste acentuado. De acordo com Foss e Keteyian, 2000, a hidratação ideal é aquela que se inicia antes do exercício físico (pré-hidratação), ou seja, recomenda-se a ingestão de 150 ml de água a cada 15 minutos nos 60 minutos que antecedem sua prática. Segundo o autor, a hidratação deve ser contínua durante o exercício físico (100 a 200 ml a cada 10-15 minutos), porém, por razões óbvias, o mergulhador não poderá fazê-la em ambiente subaquático. Após o mergulho, a ingestão de água continua sendo de grande importância para que o organismo restabeleça sua perda, gerada pelo esforço acentuado durante a atividade. Em complemento a ingestão de água, o consumo de bebidas isotônicas ou sucos de frutas é recomendado para a reposição eletrolítica, principalmente do sódio e do potássio.
Pesquisas apontam para dados relevantes, onde em situações de princípio de afogamento em banhistas, a câimbra foi o fator principal para desencadear as ocorrências (FOSS e KETEYIAN, 2000). A prática de exercícios de alongamento antes da realização do mergulho é fundamental para “preparar” os músculos para uma exigência maior, assim como, após o seu término. As fibras musculares quando alongadas ganham maior elasticidade otimizando sua contratilidade, fator que poderá reduzir a incidência da câimbra. Muitos mergulhadores são surpreendidos por câimbras na região posterior da perna (panturrilhas), fato muito comum durante prática do mergulho autônomo, deste modo, é necessário tranquilidade para o gerenciamento e resolução do problema. O procedimento mais adequado nesta situação é segurar com as mãos as pontas das nadadeiras e puxá-las ao encontro dos joelhos.
Em depoimento particular, em certa ocasião quando realizava um mergulho técnico, fui acometido por uma violenta câimbra nas panturrilhas da perna durante a fase de descompressão, o que fez com que eu tivesse muita dificuldade para sair daquela situação desconfortável e ao mesmo tempo controlar a flutuabilidade para que permanecesse na profundidade ideal. Portanto, a preocupação com a ocorrência de câimbras, assim como, quais são os procedimentos na tentativa de evitá-la, são cuidados imprescindíveis para todo mergulhador responsável e consciente.
Ótimos mergulhos a todos, porém, livres de câimbras!
Prof. Ms. Rodrigo Nuno Peiró Correia
Referências Bibliográficas:
FOSS, M. L.; KETEYIAN, S.J. Bases fisiológicas do exercício e do esporte. Traduzido por Giuseppe Taranto. Rio de Janeiro: Guanabara koogan, 2000.
GUYTON, A.C. Fisiologia humana. Traduzido por Charles Alfred Esberard. Rio de Janeiro:Guanabara koogan, 1988.
MAUGHAN, R.; GLEESON, M.; GREENHAFF, P. Bioquímica do exercício e treinamento. Traduzido por Elisabeth de Oliveira e Marcos Ikeda. São Paulo: Manole, 2000.