"Most divers seem to act as though having a c-card means that they have mastered all of the skills of the sport. Wrong. The c-card only means that they now have a license to practice and a lifetime to learn."

(Rhea DW, 2004)


"A maioria dos mergulhadores parece agir como se ter uma credencial significa dominar todas as habilidades do esporte. Errado. A credencial significa apenas que eles possuem agora uma licença para a prática e uma vida inteira para aprender."

(Rhea DW, 2004)


"Muitas vezes vemos coisas e dizemos: Por que? Sonhamos coisas que nunca existiram e dizemos: Por que não?"

(George Bernard Shaw)


"Algo só é impossível até que alguém duvide e acabe provando o contrário".

(Albert Einstein)

sábado, 26 de março de 2011

Matéria publicada na Revista Mergulho - Edição do mês de fevereiro de 2011



Ocorrência da câimbra no mergulho: conceitos e considerações

São poucos os mergulhadores que nunca sentiram câimbras durante um mergulho autônomo. Para aqueles que já passaram ou continuam passando por esta desagradável experiência, a câimbra pode ser considerada como uma vilã, onde a sua incidência em ambiente aquático poderá colocar em risco a segurança do mergulhador, assim como, prejudicar todo o planejamento de mergulho previamente realizado.

É importante conhecermos o que é a câimbra, quais mecanismos fazem com que ela apareça e como podemos tentar evitá-la.

Câimbras são contrações musculares intensas de um músculo isolado ou de um conjunto deles, que acontecem de forma involuntária. Estas contrações involuntárias duram alguns segundos, em geral, após um esforço físico intenso, desaparecendo repentinamente podendo-se observar um possível enrijecimento do local (MAUGHAN; GLEESON e GREENHAFF, 2000). De acordo com os mesmos autores, os músculos mais acometidos pela câimbra são o gastrocnêmio (panturrilha ou popularmente conhecido como batata da perna), os isquiotibiais (posteriores da coxa) e os abdominais. É importante destacar que estes músculos anteriormente citados são muito exigidos durante a prática do mergulho.

Conforme estudos realizados por alguns pesquisadores, os mecanismos que levam ao aparecimento das câimbras sustentam-se por quatro teorias: teoria metabólica; teoria da desidratação; teoria eletrolítica e teoria ambiental.

Segundo Foss e Keteyian, 2000, a teoria metabólica sugere que a câimbra pode ocorrer quando o músculo “intoxica-se” por metabólitos provenientes da atividade contrátil, ou seja, através do acúmulo de amônia próximo às fibras musculares, como também, do ácido lático proveniente da metabolização incompleta dos carboidratos durante o exercício (glicólise anaeróbia), que, por sua vez, libera íons de hidrogênio no interior das células das fibras musculares, aumentando a acidez do meio e afetando a contratilidade das mesmas.

A teoria da desidratação baseia-se na representatividade da redução do volume de água corporal ocasionado pela transpiração excessiva durante o exercício físico, que, consequentemente, provocará desequilíbrio dos fluidos corporais interferindo negativamente no mecanismo contrátil das fibras musculares, gerando contrações súbitas e involuntárias (GUYTON, 1988).

Conforme o mesmo autor, a teoria eletrolítica fundamenta-se na importância da presença do sódio e do potássio no processo de contração muscular, onde as ausências destes elementos contribuem significativamente para a ocorrência da câimbra. A diferença de concentração de sódio e potássio nos meios intra e extracelulares determinam potenciais elétricos nas fibras nervosas e musculares. Deficiências destas substâncias poderão ocasionar distúrbios na formação destes potenciais elétricos, afetando diretamente o controle da contratilidade das fibras musculares, gerando câimbras.

A teoria ambiental aponta mudanças extremas de temperatura, externas ao organismo, como fatores que propiciam o surgimento das câimbras. Este fenômeno ocorre devido à ação das altas e baixas temperaturas, que representam forte influência no aparecimento de distúrbios musculares. Quanto maior for a temperatura do ambiente, o que ocasionará maior elevação da temperatura corporal através do exercício físico, mais intensamente se realizarão as reações químicas que geram a contração muscular, podendo desencadear contratilidade involuntária do músculo. Na ocorrência de temperaturas muito baixas, a exposição ao frio provocará respostas fisiológicas do organismo, como exemplo, a vasoconstrição periférica. Por conseguinte, ocorrerá um prejuízo de fluxo sanguíneo para os músculos em detrimento aos órgãos vitais, podendo ocorrer o surgimento de câimbras (FOSS e KETEYIAN, 2000).

Tentativas para amenizar ou até mesmo evitar a ocorrência da câimbra, se resumem em realizarmos uma hidratação adequada, estarmos bem condicionados fisicamente, principalmente em referência ao desenvolvimento de nossa flexibilidade através da realização de exercícios de alongamento, enfatizando sempre a importância da orientação por profissionais especializados.

Uma hidratação adequada ajudará o mergulhador a evitar a desidratação e consequentemente uma possível câimbra, ao realizar um mergulho prolongado e que promova um desgaste acentuado. De acordo com Foss e Keteyian, 2000, a hidratação ideal é aquela que se inicia antes do exercício físico (pré-hidratação), ou seja, recomenda-se a ingestão de 150 ml de água a cada 15 minutos nos 60 minutos que antecedem sua prática. Segundo o autor, a hidratação deve ser contínua durante o exercício físico (100 a 200 ml a cada 10-15 minutos), porém, por razões óbvias, o mergulhador não poderá fazê-la em ambiente subaquático. Após o mergulho, a ingestão de água continua sendo de grande importância para que o organismo restabeleça sua perda, gerada pelo esforço acentuado durante a atividade. Em complemento a ingestão de água, o consumo de bebidas isotônicas ou sucos de frutas é recomendado para a reposição eletrolítica, principalmente do sódio e do potássio.

Pesquisas apontam para dados relevantes, onde em situações de princípio de afogamento em banhistas, a câimbra foi o fator principal para desencadear as ocorrências (FOSS e KETEYIAN, 2000). A prática de exercícios de alongamento antes da realização do mergulho é fundamental para “preparar” os músculos para uma exigência maior, assim como, após o seu término. As fibras musculares quando alongadas ganham maior elasticidade otimizando sua contratilidade, fator que poderá reduzir a incidência da câimbra. Muitos mergulhadores são surpreendidos por câimbras na região posterior da perna (panturrilhas), fato muito comum durante prática do mergulho autônomo, deste modo, é necessário tranquilidade para o gerenciamento e resolução do problema. O procedimento mais adequado nesta situação é segurar com as mãos as pontas das nadadeiras e puxá-las ao encontro dos joelhos.

Em depoimento particular, em certa ocasião quando realizava um mergulho técnico, fui acometido por uma violenta câimbra nas panturrilhas da perna durante a fase de descompressão, o que fez com que eu tivesse muita dificuldade para sair daquela situação desconfortável e ao mesmo tempo controlar a flutuabilidade para que permanecesse na profundidade ideal. Portanto, a preocupação com a ocorrência de câimbras, assim como, quais são os procedimentos na tentativa de evitá-la, são cuidados imprescindíveis para todo mergulhador responsável e consciente.

Ótimos mergulhos a todos, porém, livres de câimbras!

Prof. Ms. Rodrigo Nuno Peiró Correia


Referências Bibliográficas:



FOSS, M. L.; KETEYIAN, S.J. Bases fisiológicas do exercício e do esporte. Traduzido por Giuseppe Taranto. Rio de Janeiro: Guanabara koogan, 2000.


GUYTON, A.C. Fisiologia humana. Traduzido por Charles Alfred Esberard. Rio de Janeiro:Guanabara koogan, 1988.


MAUGHAN, R.; GLEESON, M.; GREENHAFF, P. Bioquímica do exercício e treinamento. Traduzido por Elisabeth de Oliveira e Marcos Ikeda. São Paulo: Manole, 2000.


quarta-feira, 2 de março de 2011

Matéria publicada na Revista Mergulho - Edição do mês de janeiro de 2011





Treinamento mental para um mergulho justo e perfeito

Sabemos que uma condição física ideal contribui significativamente para o desempenho positivo dos praticantes de um determinado esporte, o que não é diferente no mergulho autônomo. Porém, somando-se a este fator, o treinamento ou preparação mental do indivíduo para determinada atividade esportiva é fundamental para que os resultados advindos de sua prática sejam satisfatórios.
O treinamento mental ou preparação mental tem como objetivo permitir que o esportista alcance as condições ideais de rendimento através da aprendizagem e do desenvolvimento de habilidades mentais (FOURNIER,1997).

Segundo Pineschi, 2010, o treinamento mental é uma modalidade de intervenção psicológica muito utilizada pela Psicologia do Esporte. É essencialmente voltado para o contexto esportivo e otimização do rendimento, e pressupõe um foco educacional e uma relação psicopedagógica entre treinador mental e indivíduo.

Fazendo-se um paralelo com a prática do mergulho autônomo, os mergulhadores, sejam eles iniciantes ou experientes, muitas vezes se deparam com situações inusitadas ou imprevistos subaquáticos que os colocam em situação de pânico e desespero, o que pode desencadear potenciais riscos a sua integridade. Estas situações podem ocorrer durante um simples mergulho raso em águas abertas, bem como, em mergulhos mais complexos com correnteza, em cavernas, naufrágios com teto e em mergulhos descompressivos. Emergências ocorridas por falha de equipamento, ausência de luz em determinados ambientes, desorientação subaquática ou perda de flutuabilidade, exigem tomada de decisão imediata por parte do mergulhador para garantir sua segurança, bem como, de seu dupla ou equipe.

É importante destacar a necessidade da preparação mental para a realização dos mergulhos. Ela pode ser feita através da visualização antecipada das tarefas e dos procedimentos a serem realizados e, para isso, é fundamental que o mergulhador se concentre e esteja atento a todas as situações desde o início, no planejamento e na montagem dos equipamentos, bem como, na execução do mergulho e na saída do ambiente aquático.

Um programa de preparação mental envolve várias sessões e compreende três etapas principais: formação, treinamento e aplicação. A fase de formação consiste na aprendizagem de diferentes técnicas de treinamento mental, através da realização de exercícios e na identificação dos procedimentos que atendam as necessidades do indivíduo em cada uma das habilidades psicológicas incluídas no programa. O treinamento responde pela repetição das técnicas escolhidas na operacionalização (implantação de adaptações, visando maior funcionalidade), como também, na automatização e integração dos procedimentos à rotina de prática. A fase de treinamento abrange o treinamento dirigido (com presença do treinador mental) e o treinamento pessoal (sem acompanhamento, realizado no período entre as sessões de treinamento dirigido). Na etapa de treinamento, a autonomia do indivíduo é reforçada para que este seja capaz de adquirir autoconfiança. O estágio de aplicação refere-se à utilização das técnicas de treinamento mental que foram assimiladas e treinadas durante as atividades em um contexto estressante (PERREAUT-PIERRE, 2000).


Algumas habilidades mentais podem ser incluídas em um programa de treinamento mental, tais como: estabelecimento de metas (fixar objetivos e manejar pensamentos e comportamentos); relaxamento (controle voluntário da diminuição do tônus muscular); dinamização ou autoativação (aumento voluntário de energia quando o indivíduo não está suficientemente ativado para atuar de forma eficaz em treinos e práticas esportivas); diálogo interno positivo (pensamentos ou palavras pronunciadas que favorecem a motivação e dirigem o comportamento); concentração (foco nas informações relevantes durante todo o processo de execução da tarefa) e visualização. Esta última habilidade é mais utilizada e estudada em âmbito acadêmico e científico. Pode ser definida como uma experiência multisensorial, onde todos os sentidos são utilizados para criar ou reproduzir uma experiência no cérebro (MORRIS; SPITTLE e WATT, 2005).

No ano de 2010, tive a oportunidade de participar da primeira turma de um curso inédito no Brasil, denominado Essentials Diver, através da iniciativa do instrutor e representante da certificadora IANTD no Brasil, Luis Augusto Pedro, com a colaboração do instrutor José Mário Ventura. O curso possui como características principais, abordagem de técnicas de treinamento mental (visualização), técnicas respiratórias e de gerenciamento do stress no mergulho. Estas técnicas são adequadas aos diferentes níveis de treinamento em que o mergulhador se encontra.

Em depoimento pessoal, posso dizer com sinceridade que o respectivo curso me ajudou a interpretar a prática do mergulho de maneira mais consciente, segura e responsável. Portanto, fico à vontade para indicá-lo a todos os mergulhadores.

Bons treinamentos e ótimos mergulhos!

Prof. Ms. Rodrigo Nuno Peiró Correia


Referências bibliográficas:


FOURNIER, J. Pratique de l’imagerie. Bulletin d’entraînement mental. Paris: Association Francophone d’Entraînement Mental – AFEM, 1997.
MORRIS, T.; SPITTLE, M. e WATT, A. P. Mental Skills Training in Sport. In: TENENBAUM, G. & EKLUND, R. C. (org.). Handbook of Sport Psychology – 3rd ed. New Jersey: John Wiley & Sons, 2005.
PERREAUT-PIERRE, E. La gestion mentale du stress pour la performance sportive. Paris: Amphora, 2000.
PINESCHI, G. Treinamento mental e visualização no esporte. Informativo técnico-científico do Comitê Olímpico Brasileiro, 2010.